Poesias de Adélia Drummond: Miranda, 1988

domingo, 23 de agosto de 2009

Miranda, 1988

Água de rio. Pantanal que não é pântano: Canoa, barco, barcaça, balsa, navio e boieiro. Pacu, pintado, bagre, piranha, jaú, palmito, dourado, tucunaré; manga, goiaba, laranja, melão, melancia, abacaxi, pequi, framboesa, limão. Garça, garça carrapateira, garça real, garça solitária, garça cabeça seca, pato biguá, tuiuiú, gaivota, cegonha, mergulhão, martim-pescador, bem-te-vi, pardal, pomba, pomba-rola, rolinha, cardeal, periquito, jaçanã, jandaia, janaína, maracanã, papagaio, arara, arara-real, gavião-cará, carcará, coruja, ema, seriema, jacaré, cobra, pacu, capivara, lontra, veado mateiro, onça, cavalo pantaneiro, cachorro vira-lata, macaco, sagüi, mico, gato do mato, gato de casa, rato, ratazana, gambá. Pasto, pasto, gado pra cima, gado pra baixo, boi de pé duro. Calcário, ferro, manganês, Trem que vem, trem que vai, gente que sai, gente que chega, gente que vai. Peixe frito, pirão de peixe, peixe escabeche, peixe ensopado. Pescador forasteiro, pantaneiro preguiçoso, garoto vendendo fruta catada do pé, meninas a fins, meninas oferecidas. Figueira, aroeira, ipê-roxo, vitória régia de cartão postal, mato verde, capim. O italiano pagou cinco paus e um hambúrguer pra menina. Chuva de verão. Mosquito, pernilongo, muriçoca, mosca, borrachudo, mosquito pólvora. Malária e febre amarela, criança raquítica brincando, pantaneiro sentado na sombra da árvore, mulher vendendo peixe frito. Besouro, baratas, barata d’água, taturana, cigarra-gigante, louva-a-deus, gafanhoto, sapo, rã, perereca. Soldados e marinheiros. Corumbá de Solano Lopes. Paraguai. Guarânias, samba, Roberto Carlos, bolero, Pop-rock, boate, dancing, cinema, carros, motocicletas, rádio, televisão, antena parab6lica, micro computador, caixa registradora, artesanato indígena falsificado, mesa de fórmica comprada no Brás, Barqueiro, turistas, guias, cerveja, coca cola, guaraná, cafezinho com um copo d'água, Fanta laranja, fanta uva. Cidade de beira rio. Rio acima, rio abaixo. Os nomes da paisagem.

A menina do italiano quer ir para São Paulo.

Um comentário:

Nick Zombie disse...: fica por lá menina
lá tem coisas reais; 10 de janeiro de 2011 às 10:34

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Sobre Adélia Drummond

Adélia Drummond de Castro nasceu na cidade de Conceição do Mato Dentro em Minas Gerais no dia 01 de fevereiro de 1978. Na repartição pública em que seu pai trabalhava havia dois livros de poemas: "Coração Disparado" de Adélia Prado e uma antologia de poemas de Carlos Drummond de Andrade editada por José Olímpio. Deles seu pai compôs seu nome, selando, sem saber, seu destino de futura poetisa.
Estaria completando 35 anos de idade este ano de 2013, se uma morte súbita não houvesse interrompido sua trajetória de vida.
Aos onze anos veio para São Paulo trabalhar em casa de família, como muitas moças do interior de Minas.
Sua patroa intrigada com seu nome incentivou-a continuar seus estudos, o qual havia interrompido na 4ª série do ensino fundamental. Estudou um pouco em um supletivo noturno, fez provas de eliminação de matérias e concluiu o ensino fundamental. Anos mais tarde frequentou uma classe de EJA, prestou o EXAME do ENEM para concluir o ensino médio. No ano seguinte candidatou-se a uma vaga em um curso de Letras por meio do ProUni, um programa governamental de bolsas de estudos para estudantes carentes.
Aos 27 anos ingressou no curso de Letras de uma universidade particular de São Paulo. No segundo ano transferiu-se para o curso de pedagogia em uma nova universidade mais perto de seu trabalho, que era também sua casa. Não se adaptou ao novo curso. Achou-o muito difícil com professores muito exigentes. No terceiro ano transferiu-se novamente para uma pequena faculdade em Moema onde concluiu seu curso superior em um curso de Pedagogia em Artes. Uma inovação didática oferecida por essa faculdade.
Foi nesta última instituição que conheceu a professora Marcília, especialista em literatura brasileira moderna que defendeu tese de doutorado na FFLCH -USP.
Sua tese procurava demonstrar a influência do movimento Dadaísta sobre a poética de Carlos Drummond de Andrade. Tomava como exemplo o poema "A Procura da Poesia" e por meio de intrincada metodologia de análise estrutural semiosociológica demonstrou que o poema em questão fora composto por meio de sorteio de palavras aleatórias tiradas a um saco de pano costurado pela avó do poeta ainda em Itabira, Minas Gerais. Sua tese mereceu aprovação com louvor e distinção de uma doutíssima banca, que incluía os mais influentes críticos literários do século XXI.
Adélia, conheceu também o professor Aurélio, com quem se identificou pela história de superação das condições socioeconômicas adversas. Este lhe ajudou no entendimento dos textos mais difíceis, chegando inclusive a traduzir alguns textos estrangeiros para que ela pudesse lê-los. Sem sua prestimosa ajuda não teria conseguido finalizar seu 'TCC'.
Deste íntimo convívio com as letras na faculdade de letras, pedagogia e pedagogia das artes, nasceu seu amor pelas letras e sua produção poética.
Nunca abandonou sua condição de serviçal doméstica.

Esta história me foi contada por uma professora universitária, colega de trabalho da professora Marcília, que me enviou os originais da suposta poetisa.
Textos, poemas, história e biografia...Tudo me pareceu inverossímil.
As referências intelectuais, quase plágios, inscritas em seus poemas e outros escritos , que além de Carlos Drummond de Andrade e de Adélia incluem outros nomes do modernismo internacional como Rilke, pareceram-me demasiado sofisticadas para uma moça do interior de Minas que além de exercer o ofício de doméstica desde menina, teve contato tardio com o mundo das letras.
O início tardio dos estudos associado à sua morte prematura, esta verdadeira, não teria dado tempo suficiente para assimilar e acomodar tantas e tão complexas informações, quanto mais elaborar uma obra poética.
Pensei na hipótese da colega estar usando o estranho nome de sua aluna para promover sua própria poesia. Neste caso teríamos que forçosamente notar as soluções formais frouxas com a predominância de versos livres e temas errantes, característicos de uma lavra amadora, que ora se assemelham a dísticos morais, ora a rompante de romantismo juvenil, por isso mesmo anacrônico.
Traços característicos de leitores superficiais. O que, até por obrigação de ofício, minha colega certamente não é. De qualquer maneira, a escrita apresentada sob o epíteto de 'Adélia Drummond' parece estar algo longe das necessárias elaborações formais e dos nexos semânticos entre ritmos e sentido que a verdadeira poesia exige.

Diante das dúvidas que a comovente história de vida e os fracos versos desses poemas me suscitaram, cartesianamente resolvi suspender meu juízo.
A despeito da realidade das domésticas paulistas, em sua maioria vindas sem estudos dos interiores do Brasil, dei-me conta do imenso preconceito implicado nestes juízos.
Com medo de parecer politicamente incorreto e atendendo ao pedido da colega que me encomendou este blog, transfiro aos eventuais leitores o ônus implicado nos juízos possíveis sobre esta biografia e esta obra singulares.

Carlos Alberto Dias